"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que já nos levam sempre aos mesmos lugares. É tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

(Fernando Pessoa)
Já dizia uma frase clássica da obra de Homero: "Decifra-me ou te devoro". Sejam todos bem vindos!!!

terça-feira, 23 de abril de 2013

sábado, 20 de abril de 2013


Dedico este conto de Clarice Lispector aos que pensam ter controle sobre os mistérios do amor e da paixão.

Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector


Ó CHUVA





Ó chuva, desabe cada vez mais forte sobre aqueles que tanto necessitam de ti. Caia! Não tão forte, que destrua as delinquentes construções criadas pelo homem, findando vidas e sonhos; e nem tão fraca, que não devolva o brilho aos olhos do povo, sobretudo o povo nordestino.
Acabe com a disputa dos animais pela falta de pastagem, diga-se de passagem, há tempo que muitos nem têm mais pelo o que disputar.
Abrande o fel estridente, que os nossos corações sentem ao ver milhões de pessoas afetadas com a sua falta; açudes secos, gado morto, que não conseguiu sobreviver comendo capim seco e com a sede.
Ó chuva, a sua falta traz problemas sociais tão sérios; a fome, a miséria, a seca... Imperam no sertão nordestino.
Há quem aponte como solução, de maneira simples, construções de cisternas, açudes, incentivo público à agricultura, com sistema de irrigação... No entanto, em um país em que a Copa do Mundo é mais importante que a educação e saúde, por exemplo, esperar uma solução efetiva das autoridades, especificamente, do governo Federal, está mais próximo de uma utopia.
Resta-me clamar por ti, ó chuva!!

Flávia Rodrigues