"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que já nos levam sempre aos mesmos lugares. É tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

(Fernando Pessoa)
Já dizia uma frase clássica da obra de Homero: "Decifra-me ou te devoro". Sejam todos bem vindos!!!

terça-feira, 20 de março de 2012

Perplexidade


a parte mais efêmera

                    de mim

é esta consciência de que existo

e todo o existir consiste nisto

é estranho!

e mais estranho

                    ainda

        me é sabê-lo

e saber 

que esta consciência dura menos

que um fio de meu cabelo

e mais estranho ainda

                    que sabê-lo

é que

                         enquanto dura me é dado

        o infinito universo constelado

        de quatrilhões e quatrilhões de estrelas

sendo que umas poucas delas

posso vê-las

                    fulgindo no presente do passado

(Ferreira Gullar)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Biografia


(google imagens)

Lapidando a infortuna de sua vida,
o retrocesso à infância favorece.

Pensamentos sangram o que não viveu.
Retoma-se a esperança de recomeçar.

Cumpridos todos os requisitos de sua
existência, conforma-se com a fatalidade
posteriormente revelada em sua biografia.


Flávia Rodrigues

domingo, 5 de fevereiro de 2012


Hoje, encontrei-me saciada de informações no que diz respeito à gramática normativa, após preparar-me para as aulas que ministraria no dia seguinte, para as minhas turmas do ensino médio. Em súbito instante, bateu-me uma angústia, um vazio, uma falta de não sentir emoção. Depois de tal concepção, resolvi ler outras coisas, a melhor opção que eu tinha de entretenimento no momento. Foi em meio a essas leituras, que terminei entrando no blog do professor Mayrant Gallo, intitulado: “Não leia!”. Nessa visita, deparei-me com um belíssimo poema, o qual resgatou em meu ser uma arrebatadora comoção. Diante disso, resolvi postá-lo aqui em meu blog. Sinto muito pela perda e agradeço-lhe por dividir, através de seus belos versos, essa emoção.

IN MEMORIAM DE MINHA MÃE

IN MEMORIAM DE MINHA MÃE:

BASTOU QUE O TELEFONE TOCASSE

Passei meses sem ser mais poeta.
Passei meses sendo qualquer coisa
Entre a certeza e a vida, que são coisas
Que evitam a poesia e não exigem rima.

Mas bastou que o telefone tocasse,
Que a voz do outro lado dissesse
“Se prepare, você precisa ser forte”,
Para que eu soubesse o que sempre soube:
Que o que acontece já aconteceu.

De fato, minha mãe já havia morrido,
E eu já fora seu filho, em todo o sempre
Que só agora a física explica
E a poesia sempre susteve.

O futuro é, o passado será e o presente foi.
Tudo já aconteceu e ainda acontece e acontecerá.

Minha mãe, portanto, está nascendo, neste momento,
E também está sonhando, seu rosto lindo e adolescente,
Com seu amado, de quem nascerei em breve.

E é inevitável que eu pense, como Wislawa Szymborska,
Que, tão logo começa a ser pronunciada,
A palavra futuro torna-se passado.

Tão logo se morre, começa-se a nascer, por analogia.

E, assim, em algum lugar minha mãe está à minha espera.
E, assim, em algum momento eu saio de suas entranhas.
Noutro, meu pai me faz,
E seus olhos e os dela são os mais felizes.
Noutro ― ainda mais puro ―, ela me acaricia,
Me põe para dormir,
Me faz tomar o remédio, o banho, e comer e rir
E pronunciar as primeiras sílabas.

Noutro ainda, e não mais importante,
Ela me ensina a ler, a escrever,
A combinar as palavras.
Estas, com sua falta, sua imensa presença ― incorpórea.

Muitas pessoas confundem humor e sarcasmo com ironia.
Ironia é isto:
Em setembro, levei minha mãe ao aeroporto,
Para passar um mês em São Paulo com meu irmão.
Em novembro, fui buscá-la, no mesmo aeroporto,
E ela estava dentro de um caixão.
Mas nem mesmo isto é novo nem será,
Pois já aconteceu, está acontecendo e acontecerá.

Tatibitateio minhas primeiras sílabas num futuro passado,
E meu pai e minha mãe riem.
Acabaram de se conhecer, de se amar,
E já me viram nascer
E já se separaram
E já de volta de novo, olhos nos olhos,
Lábios que se tocam.

Costuma-se chamar tempo ao correr dos dias.
Mas tempo é palavra imprecisa.
Chamemos a tudo vida ― o antes, o depois e o agora.
E fiquemos à espera, no entrepalavras,
Do que nos reserva a sintaxe da História.

MAYRANT GALLO. Salvador, 21 de novembro de 2011.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Resplendor


(google imagens)

                                                                                                                   
Ontem, resolvi ser o sol e,
atrevida, irradiei
sobre o seu sítio sombrio
a luz mais poderosa.

Você, escravo da própria
insensibilidade,não mais
trouxe nuvens tempestivas,
para recobrir os céus
de minha esperança.

Reluzindo, surgi por trás
da repentina montanha,
criada pela geleira
de suas angústias.

Após duradoura resistência,
restaram tristezas afogadas
na indiferença, derretida
pelo grande astro que,
hoje, habita em mim.

Flávia Rodrigues

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A vergonha

Crônica de Luiz Fernando Veríssimo sobre o “BBB”

Que me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil (BBB), produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas conseguimos chegar ao fundo do poço… A décima terceira (está indo longe!) edição do BBB é uma síntese do que há de pior na TV brasileira. Chega a ser difícil, encontrar as palavras adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência.
Dizem que Roma, um dos maiores impérios que o mundo conheceu, teve seu fim marcado pela depravação dos valores morais do seu povo, principalmente pela banalização do sexo. O BBB 10 é a pura e suprema banalização do sexo. Impossível assistir, ver este programa ao lado dos filhos. Gays, lésbicas, heteros… todos na mesma casa, a casa dos “heróis”, como são chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na TV, seja entre homossexuais ou heterosexuais. O BBB 10 é a realidade em busca do IBOPE..

Veja como Pedro Bial tratou os participantes do BBB 10. Ele prometeu
um “zoológico humano divertido” . Não sei se será divertido, mas
parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas.

Se entendi corretamente as apresentações, são 15 os “animais” do
“zoológico”: o judeu tarado, o gay afeminado, a dentista gostosa, o
negro com suingue, a nerd tímida, a gostosa com bundão, a “não sou
piranha mas não sou santa”, o modelo Mr. Maringá, a lésbica convicta,
a DJ intelectual, o carioca marrento, o maquiador drag-queen e a PM
que gosta de apanhar (essa é para acabar!!!).
Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e
escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro
de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível.
Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo.
Eu gostaria de perguntar se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade.
Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro
repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e
meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente,
chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis?
São esses nossos exemplos de heróis?
Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros,
profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os
professores), carteiros, lixeiros e tantos outros trabalhadores
incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor, quase sempre mal remunerados..
Heróis, são milhares de brasileiros que sequer têm um prato de comida
por dia e um colchão decente para dormir e conseguem sobreviver a
isso, todo santo dia.
Heróis, são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais
saudável e digna.
Heróis, são inúmeras pessoas, entidades sociais e beneficentes, ONGs,
voluntários, igrejas e hospitais que se dedicam ao cuidado de carentes, doentes e necessitados (vamos lembrar de nossa eterna heroína, Zilda Arns).
Heróis, são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam
suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como
mostrado em outra reportagem apresentada meses atrás pela própria Rede Globo.
O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não
acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos
telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro
estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à
criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e
moral.
E aí vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a
“entender o comportamento humano”. Ah, tenha dó!!!
Veja o que está por de tra$$$$$$$$$$$$$$$$ do BBB: José Neumani da
Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de
pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta
centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e
setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil
reais a cada paredão.
Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social, moradia, alimentação, ensino e saúde de muitos brasileiros?
(Poderiam ser feitas mais de 520 casas populares; ou comprar mais de
5.000 computadores!)
Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e
indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores.
Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário
Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa…, ir ao cinema…,
estudar… , ouvir boa música…, cuidar das flores e jardins… ,
telefonar para um amigo… , visitar os avós… , pescar…, brincar
com as crianças… , namorar… ou simplesmente dormir.
Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construído nossa sociedade.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Procrastinação


Naquela noite,
seu olhar frio
pospôs palavras,
hoje, póstumas.

Após décadas,
a lua permanece
a mesma.








(google imagens)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Contínuo


Para envolver-se com a brisa
não precisa estar à beira-mar,
nem ouvi-la, nem entendê-la...

É o toque das mãos, suaves,
do amado, que aragem traz
ao percurso cálido que caminha.                                                                 

É perceber a viração, durante
o estio,que antecipa a primavera,
renovando a juventude dentro de si.

A juventude não é efêmera.
É um sentir constante e necessário
durante cada estação do ano.

Flávia Rodrigues

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Ofensas



















Restaram apenas estilhaços,
sentimentos esmagados,
sob as proferidas rochas
deslizadas de sua boca.

Inabaláveis palavras
omitem a cicatriz
pungente na alma.

Após decodificados,
os verbos conservam
o ressentimento
petrificado no coração.

Flávia Rodrigues

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Ciclo

















(google imagens)
A tarde chega acompanhada
do crepúsculo e, unidos,
findam mais um dia
árduo de minha vida.

Junto, o mar, calmo, vai
diminuindo a sua musicalidade,
em forma de um adeus.
Assim, foi-se você:

em mim, deixaste réstias de saudade
e, o corpo que esquentaste,
agora vive em harmonia com o frio.

Mas, após todo arrebol,
a aurora se faz presente.
A maré hábil, com suas
alternâncias, volta a encher-se.

Análogo é o coração:
depois de uma desilusão,
age intato a outra paixão.

Flávia Rodrigues

Incoerência










A contradição tornou-se presente

na vida do homem desiludido,

que não conseguia enxergar

a beleza e a magia do universo.


Manifestou-se quando, em

meio a multidão, esperançoso,

encontrava-se celebrando o

início de um ano novo.


Flávia Rodrigues